Pesquisa faz um panorama das rotinas vivenciadas por mulheres em seus domicílios durante a quarentena. Em meio a sobreposição de responsabilidades, a necessidade por cuidar de outros aumenta e desvalorização do trabalho não remunerado doméstico se mantém como papel exclusivo do gênero feminino.
“Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”
O trabalho foi realizado pela revista Gênero e Número (GN) em parceria da Sempreviva Organização Feminista e busca compreender as atividades desempenhadas pelas mulheres e o que estão sentindo na pandemia, dentro dos espectros: trabalho remunerado e sustentação da casa, a responsabilidade com o cuidado e as violências sentidas nas relações na pandemia.
Diferente do que vem sendo divulgado para as atividades comerciais – “O Brasil não pode parar”, as funções de cuidado e trabalhos domésticos nunca param, ou seja, as mulheres continuaram desempenhando múltiplas funções e sobrecarregando a saúde mental com jornadas extensivas de trabalho.
65,4% das mulheres disseram que a responsabilidade com o trabalho doméstico e de cuidado dificulta a realização do trabalho remunerado.
50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante a pandemia, entre mulheres que vivem no campo esse número vai para 62%. Entre essas mulheres, 80,6% passaram a cuidar de familiares, 24% de amigos/as e 11% de vizinhos.
O relatório mostra a distinção do impacto sentido por mulheres no ambiente urbano e no ambiente rural, evidenciando a ameaça imediata no sustento da família, 44% no campo contra 12% das mulheres urbanas que perceberam o mesmo. Além disso, os dados destacam a disparidade entre mulheres negras e brancas.
Entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de outra pessoa, 57% são responsáveis por filhos de até 12 anos, e 6,4% afirmaram ser responsável por outras crianças. As mulheres negras correspondem a 60% destas últimas.
Entre as mulheres que afirmaram “estar desempregada”, 58,5% são negras e 39% são brancas.
Não podemos esquecer de que esses dados representam um grupo de seres humanos marginalizados em constante vulnerabilidade social, historicamente, a população negra é representada com taxa de ocupação menor do que pessoas brancas. A desigualdade social se evidência nessas dinâmicas de trabalho.
Ainda, as mulheres brancas tem mais apoio do núcleo familiar, em comparação com as mulheres negras. 42% das mulheres responsáveis pelo cuidado de outra pessoa o fazem sem apoio de pessoas de fora do núcleo familiar. As mulheres negras indicaram ter menos apoio externo, correspondendo a 54% destes casos.
No entanto, foi percebido que as mulheres negras se articulam internamente para criar redes de apoio e de trabalho cooperativo. Em trabalhos de economia solidária, 61% das mulheres que estão na economia solidária são negras.
“Em nosso grupo de mulheres temos criado estratégias de encontros on line, grupos de WhatsApp, oferta de curso de sabão e máscaras para amenizar a problemática. Muito importante. Necessário pro momento.” – trechos extraídos das respostas feitas na pesquisa.
Um exemplo do protagonismo na busca por mudanças concretas para a construção de uma alternativa sustentável para essas precarizações de trabalhos. A organização de redes de apoio são essenciais em territórios de alta vulnerabilidade sociais, que enfrentam a falta de políticas públicas.
Não se trata apenas de uma negociação no interior de cada domicílio, muito menos de normalizar dinâmicas de terceirização e externalização, que reforçam a precariedade da vida e do trabalho de mulheres negras, deixando intactos e inquestionados os mecanismos de desresponsabilização do Estado, dos homens e do conjunto da sociedade com essas atividades que são essenciais para a sustentabilidade da vida.
E, como a pesquisa demonstrou, não podem parar. Se não podem parar, quem cuida de quem, e em que condições, são questões incontornáveis para projetos de sociedade que se pretendam justos e igualitários.
Acesse o link para a pesquisa – www.mulheresnapandemia.sof.org.br