Moçambique, apesar de ter sido declarado livre da Lepra, em 2008, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), atualmente continua registrando um número preocupante de casos da doença. Em 2016, o Ministério da Saúde do país africano constatou o surgimento ao menos de 1.364 novos casos de hanseníase, dos quais 415 crianças.
De todos os pacientes diagnosticados, 585 chegaram aos com deformações físicas graves, por desconhecimento ou negligência da disponibilidade do tratamento. Aliás, uma das principais barreiras à eliminação da doença da sociedade moçambicana é essencialmente a desinformação e o baixo empenho governamental em implantar políticas inclusivas e de acessibilidade às pessoas com deficiências de modo geral.
Apesar de ter retificado a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, em outubro de 2010. Com intuito de divulgar os direitos e deveres da pessoa com deficiência física, a Associação Italiana de Amigos de Raul Foleaual (AIFO) realizou um seminário, na capital da província de Manica, Chimoio, reunindo técnicos das direções distritais ligados ao Gênero, Criança e Ação Social, além de representantes das associações de pessoas portadoras com deficiência física e casos icônicos da deficiência nas comunidades. O evento ocorreu na última semana de setembro passado.
De acordo com o coordenador da AIFO, em Manica, Paulo Hansine, o seminário tinha como objetivo capacitar as pessoas ligadas aos deficientes físicos, com informações legais, constitucionais e médicas. Hansine explica que ainda é grande o número de pessoas que atuam com deficientes, ou mesmo as próprias pessoas com deficiência, desconhecem o conteúdo da convenção, como aplicar os direitos nas comunidades e a amplitude do decreto 53/2008, que trata sobre a acessibilidade aos serviços e espaços públicos.
Hansine relata que em Moçambique é alta a taxa de deficientes físicos que continuam confinados em suas casas, para que suas presenças não causem embaraço à família e à sociedade. Quando a deficiência é resultado da hanseníase curada tardiamente, o isolamento e a segregação se manifestam de maneiras ainda mais brutais.
“Informações sobre direitos e deveres dos doentes com lepra, assim como dos que têm que conviver com suas sequelas, e dos deficientes físicos de modo geral, precisam ser difundidas. É fundamental que se alivie o sofrimento desta camada social, que não raras vezes têm seus direitos violados, pela família e pela sociedade em geral”, argumenta o coordenador da AIFO, em Manica.
O presidente do Fórum das Associações Moçambicanas de Deficientes (FAMOD), Cantol Pondja, disse ser preocupante a discriminação da pessoa com deficiência física nas comunidades e aldeias, em decorrência da falta de conhecimento dos deveres e direitos dessa camada social, que muitas vezes são ignorados mesmo tendo vontade e capacidade para exercer determinadas atividades.
Ponja apontou, por exemplo, a ausência dos materiais de compensação, como muletas e cadeiras de rodas, que das poucas vezes que são disponibilizados pelo sistema governamental, ou por organizações sociais, não há observância quanto aos critérios físicos mínimos dos beneficiários, como idade, número e peso, dificultando sobremaneira a locomoção e a superação do problema.
A falta de respeito e abusos contra os deficientes físicos, praticada por instituições públicas e privadas de Moçambique, também, preocupa Ponja, que atuou como moderador durante o seminário. Ele adiantou que os desafios estão, principalmente, nos transportes de passageiros, onde não há sensibilidade e nem sentido humano dos motoristas, cobradores e passageiros, que assistem divertidamente o sofrimento do deficiente físico.
Sob o lema “Nada para nós sem nós”, os participantes do seminário de capacitação de pessoas ligadas aos deficientes físicos da província de Manica, financiado pela AIFO, acham-se aptos em disseminar mensagens positivas nas comunidades, de forma a mudar a mentalidade de algumas pessoas que associam a deficiência física aos tabus.
Em 2015, a AIFO beneficiou diretamente 5.325 pessoas em Manica, sendo que 44 estavam afetadas pela hanseníase (quatro pessoas completaram o tratamento naquele ano e as outras 40 iniciaram) e 29 com sequelas causadoras de deficiências receberam pequenas cirurgias de reabilitação.