Há uma dicotomia pouco compreendidas sobre o tratamento às pessoas com deficiência.
Há deficiências que não impedem as pessoas de exercer a sua opinião, de manifestar a sua vontade, de serem capazes para a vida civil. Mesmo assim, elas não podem prescindir das diversas formas de apoio legal, conforme recomendações da própria Convenção da ONU.
O meu melhor amigo, o Vinícius, têm 19 anos, e síndrome de Down. É capaz de me passar lições esplêndidas sobre a vida e de recitar de cor o nome de todos os irmãos de Carmen Miranda. Mas têm problemas para atravessar a rua, dificuldades imensas com a matemática e para controlar seu próprio dinheiro.
A nova Lei Brasileira de Inclusão (LBI) reconheceu o direito de Vinicius – e de todas as pessoas com deficiências – de ter sua própria opinião. Dividiu as pessoas com deficiência entre as incapazes e aquelas “capazes para a vida civil”. E retirou do segundo grupo diversas formas de apoio legal.
Criou uma situação fundamentalmente injusta.
Agora, entrou na Pauta da reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, desta quarta feira 09/05/2018, a votação do Projeto de Lei do Senado 757/2015, que altera o Código Civil e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) das pessoas com deficiência.
A PLS 757 foi apresentada com um substitutivo relevante da senador Lídice da Mata, representando movimentos sociais e de pais e mestres de pessoas com deficiência. Assegura à pessoa o direito à capacidade, o respeito à sua vontade, mas mantém o apoio ao exercício dessa atividade. E estende às pessoas com deficiência mental ou intelectual, ou deficiência grave – eventualmente submetidas à tomada de decisão apoiada -, a mesma proteção legal prevista no ordenamento jurídico brasileiro às pessoas relativamente incapazes.
Para entender um pouco mais sobre o tema
Em termos jurídicos, conforme me explica a procuradora Eugênia Gonzaga, a capacidade pode ser de direito e de fato. A capacidade de direito é reconhecida a todo ser humano. Significa que qualquer pessoa é titular de direitos como a vida, a integridade física, a propriedade, a posse e outros. Mas nem todas as pessoas possuem direito à capacidade de fato. No campo jurídico, esta, por sua vez, significa a possibilidade de exercer pessoalmente atos da vida civil, tais como comprar, vender, assinar documentos, votar e ser votado.
Em regra, todo ser humano, ao atingir a maioridade, torna-se capaz civilmente, com exceção dos ainda chamados de “incapazes” por muitos juristas. A estes a lei nega a capacidade civil, mas, em compensação, lhes garante alguns apoios e medidas de proteção. As pessoas com deficiência intelectual sempre estiveram arroladas entre os “incapazes civilmente”.
Entretanto, em 2006, houve a aprovação da Convenção da ONU sobre os direitos de pessoas com deficiência e ela foi expressa, acolhendo uma luta de décadas, ao reconhecer o direito de todas as pessoas com deficiência, inclusive mental e intelectual, à capacidade civil.
Isto não significa que elas devam ser deixadas sozinhas no mundo, abandonadas por seus pais em nome de uma suposta dignidade-liberdade. Significa que lhes foi reconhecido o direito moral de terem suas escolhas e preferências consideradas, de poderem tomar decisões quanto à própria vida.
Esse projeto é essencial para isso. .
Em razão desse descompasso, surgiu o PLS 757, fazendo com a que redação da legislação regredisse ao estágio anterior, arrolando as pessoas com deficiência intelectuais entre os incapazes civilmente.
O projeto de substitutivo soluciona a questão ao manter o reconhecimento dessa população como sujeitos do direito à capacidade civil, alterando outros dispositivos da legislação que ainda estão incompatíveis com o novo paradigma.
Por exemplo, nos dispositivos onde se concede a pessoas “incapazes” o direito à pensão previdenciária, o termo foi substituído por “pessoas menores de idade, com deficiência mental, intelectual ou grave, sujeitas a curatela (isto é, a serem monitoradas por um curador) ou tomada de decisão apoiada.
Com isso, nenhum adulto teria que perder o direito humano ao reconhecimento da capacidade civil para obter o apoio de que efetivamente necessita. Afinal, a Convenção da ONU também determinou que nenhum de seus dispositivos poderia ser interpretado no sentido de se afastar direitos já garantidos historicamente a pessoas com deficiência.