Por Monique Oliveira e Carolina Dantas, G1
15/12/2017, às 21h31, com atualização dia 16/12/2017, às 08h42
Uma nova resolução do governo prevê ampliação das comunidades e residências terapêuticas, entidades que recebem pacientes psiquiátricos, mas não são consideradas hospitais. Até o final de 2018, a rede pública deve habilitar 200 residências e ampliar, ainda sem número definido, as comunidades terapêuticas.
De acordo Quirino Cordeiro, coordenador Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, as comunidades terapêuticas são locais que recebem pessoas com dependência química para tratamento, geralmente em locais mais distantes das cidades, como sítios e chácaras. São instituições privadas, sem fins lucrativos e financiadas, em parte, pelo poder público.
Já as residências, recebem ex-pacientes de hospitais psiquiátricos e ficam nas regiões urbanas para a “convivência em comunidade”. Esses serviços são de natureza pública, mas podem envolver convênios com entidades filantrópicas, associações e ONGs para a implementação e acompanhamento.
“Vamos ampliar o número de vagas e acompanhar mais de perto, para garantir a qualidade mais efetiva no trabalho”, disse Cordeiro.
Segundo Quirino, o governo pretende ampliar as 4 mil vagas credenciadas atualmente em comunidades terapêuticas. O número exato, no entanto, ainda não foi definido. Uma outra mudança da resolução é que agora o Ministério da Saúde também passa atuar na liberação de verba e na fiscalização. Antes, os locais eram mantidos apenas em parceria com o Ministério da Justiça.
“A gente ainda não sabe [em quantas comunidades será a ampliação], estamos em processo de estudo e de tratativas com as próprias comunidades para ver a quantas vagas podemos chegar”, disse.
No caso das residências, o ministério informa que são cerca de 480 cadastradas atualmente. Até o final deste ano, haverá a habilitação de mais 100. Em 2018, outras 200 serão incluídas no programa do governo federal. De acordo com Quirino, cada residência tem de 8 a 10 moradores, com profissionais contratados para atendimento.
Com a nova resolução, haverá um reajuste dos valores repassados para as residências terapêuticas. Para locais que atendem pacientes com complexidade clínica menor, a verba mensal passará de R$ 10 mil a 20 mil. As residências que recebem pessoas que precisam de mais cuidados recebiam R$ 20 mil e, agora, o valor chegará a R$ 30 mil.
A resolução prevê também que gestores municipais tenham mais autonomia para a organização e adoção dessas comunidades. A resolução foi aprovada na quinta-feira (14) pela comissão gestora da saúde pública (formada pelo Ministério da Saúde, secretarias municipais e estaduais) e começa a valer a partir data de sua aprovação.
O objetivo do fortalecimento da rede é que pacientes sejam inseridos em vida comunitária e promovam mudanças no estilo de vida, de acordo com o governo.
Entidades questionam
Algumas entidades, no entanto, criticam o modelo e dizem que ele consolida a reclusão; já outras, avaliam ser necessário o controle sobre as instituições já existentes e, por isso, a habilitação é necessária.
Para Ana Sandra, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, a integração das comunidades terapêuticas entra em confronto com o que vem sendo conquistado nos últimos anos, no sentido de evitar o isolamento de pacientes. Ela também denuncia maus-tratos em alguns lugares.
“Eles ignoram o fato de que nós conhecemos a realidade dessas comunidades terapêuticas, que registram graves violações de direitos humanos”, diz Ana Sandra, do CFP.
“Muitas vezes não possuem regulamentação e são organizadas por entidades religiosas”, completa.
“A resolução regula essas comunidades, que estão totalmente sem controle”, diz Antônio Geraldo da Silva, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria. “É importante que haja uma fiscalização do que está acontecendo por lá. Como muitas pessoas estão desassistidas, as famílias dão o jeito que podem. Não dá para fechar os olhos, não dá para julgar”, comenta.
O Conselho Federal de Psicologia diz que deve levar a questão para a Justiça. “Se não houver outro jeito, vamos judicializar. Não há um plano concreto de tratamento dessas comunidades terapêuticas, já há uma indicação do Conselho Nacional de Saúde para que essas instituições não tenham nenhum repasse de dinheiro público”, diz Ana Sandra.
“Existem algumas poucas denúncias, que estão com a gente. Esse ano nós já enviamos para a auditoria algumas residências terapêuticas pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS”, disse Quirino, do Ministério da Saúde.
“Nós acompanhamos junto aos municípios, e sempre que recebemos denúncias já encaminhamos à auditoria”, completa.
“Em relação às comunidades, que estavam com o Ministério da Justiça, elas também têm um processo para evitar que situações de violação de direitos aconteçam. E por conta desse risco, porque as pessoas ficam internadas por lá, é que há um acompanhamento. Com a parceria com novos ministério, isso vai ser intensificado”, garante.
A Associação Brasileira de Psiquiatria apoia a resolução, mas disse que deve continuar fiscalizando o que está acontecendo. “Hoje digo que é importante ter um controle sobre isso e que a resolução vai nessa direção, mas, amanhã, vou continuar olhando o que está sendo feito”, diz Antônio Geraldo.
Ampliação de leitos em hospitais gerais
Sem detalhar em números, a nova resolução também amplia a oferta de leitos para pacientes que se apresentam em estado grave. A ideia é que eles sejam atendidos dentro do sistema de saúde, sem separação com as demais especialidades.
“É importante essa junção para que não haja preconceito”, diz Antonio Geraldo, da ABP. “A ideia é tratar por um breve período de tempo. Eu raramente tenho que internar. No ano de 2017, não internei ninguém”, comenta.
Não há ampliação da oferta do leitos psiquiátricos na nova resolução o que, segundo o Ministério da Saúde, respeita a lei 10.216, de 2001, conhecida como Reforma Psiquiátrica. A lei retirou o hospital psiquiátrico do centro da atenção e passou a apoiar políticas de ressocialização e atendimento ambulatorial.
CAPS 24h nas cracolândias
Além disso, está prevista a criação de um novo tipo de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O atendimento será 24 horas e especificamente para as cracolândias de cidades com mais de 500 mil habitantes.
“Nós já temos CAPS 24h, mas o que vamos criar CAPS para funcionar junto com as cracolândias. A ideia é que nós tenhamos uma estrutura mais complexa de atendimento nesses lugares, com situações de crise, com quadros de intoxicação, crises de abstinência”, explicou Quirino.