Em 20/8/2018, a Inclusive – Inclusão e Cidadania publicou uma análise sobre os programas dos candidatos à presidência (que publicamos no site da BRASA) na área da deficiência. Alarmados pela falta total ou inadequação de propostas, e pelo assunto ainda não ter vindo à toma em debates e entrevistas, nossos colaboradores destacaram algumas áreas prioritárias a ser abordadas para subsidiar o debate e nortear as propostas de candidatos a presidente, governador, senador, deputado federal, estadual e distrital.
Este documento está aberto a sugestões, que deverão ser feitas no espaço para comentário.
Esperamos contribuir com nosso conhecimento e nossa experiência para a elaboração de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência, que totalizam quase 1/4 dos brasileiros, a maior das minorias.
Colaboradores da Inclusive – Inclusão e Cidadania.
a) Desinstitucionalização (residência inclusiva, moradia independente e adoção).
Apontada como prioritária entre as recomendações feitas ao Brasil pelo Comitê da ONU dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a desinstitucionalização de crianças, jovens e adultos com deficiência foi tema de relatório da organização Human Rights Watch realizado em 2017/2018 no país. Com o título “Eles ficam até morrer”, o documento conclui que “muitas pessoas com deficiência vivem em instituições de acolhimento por longos períodos, muitas vezes a vida toda. Nessas instituições, crianças e adultos com deficiência podem enfrentar isolamento, negligência, restrições físicas, tratamento médico não consentido, tratamento desumano e educação inadequada.”
O relatório da HRW apresenta, ao final, uma série de recomendações ao país, inclusive a instituição de um plano e cronograma para dar fim à institucionalização de crianças e adultos; desenvolver serviços na comunidade para pessoas com deficiência e famílias de crianças com deficiência, realocando os gastos; revitalizar programas para que as pessoas com deficiência vivam de forma independente em suas comunidades e para que crianças com deficiências cresçam com suas famílias em casa; rever e expandir o programa de residências inclusivas; e promover programas de adoção, famílias acolhedoras e apadrinhamento de crianças e jovens com deficiência.
Mais info
“Eles ficam até morrer” – Íntegra do relatório da Human Rights Watch sobre pessoas com deficiência institucionalizadas no Brasil: https://www.hrw.org/pt/report/2018/05/23/318044
Moradias independentes com apoio individualizado para pessoas com deficiência intelectual – Flavia Poppe
http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/4033
Adoções Necessárias: www.adocoesnecessarias.org
b) Violência e acesso à justiça
Pensamos que é urgente que seja desenvolvida uma política emergencial e transversal específica para combater os altos números de violência e abuso contra pessoas com deficiência, especialmente contra mulheres e meninas com deficiência.
As meninas e mulheres com deficiência estão muito mais vulneráveis à violência sexual e outras formas de abuso porque são mais indefesas em decorrência da própria deficiência, e porque o agressor fica mais à vontade, na certeza de que não será denunciado. Muitas das vítimas são pessoas que não se comunicam, por vezes nem sabem que estão sofrendo violência, ou que, em caso de denúncia (no caso remoto de ter chance de se expressar), seus relatos são colocados em dúvida. Não raro o agressor é uma pessoa de seu convívio, e/ou da qual depende, o que torna a situação de violência e a impossibilidade de se fazer algo sobre ela, ainda mais perversa.
A falta de acessibilidade na informação, apresentação de denúncia, investigação e julgamento de crimes contra pessoas com deficiência ou envolvendo pessoas com deficiência é notória. Medidas preventivas como educação sexual, delegacias especializadas ou/e formação de agentes de polícia e justiça precisam ser tomadas. A acessibilidade comunicacional para dar voz à pessoa com deficiência é fundamental e inclui oferta de Braille, Libras, legenda, audiodescrição de imagens, comunicação alternativa aumentativa (CAA – ver mais adiante) ou outros métodos que garantam a livre expressão do indivíduo, com facilitadores isentos e capacitados que apoiem a pessoa com deficiência em todo processo. Se um familiar ou cuidador que esteja implicado na violência servir como intérprete, por exemplo, a vítima ficará constrangida ou o intérprete poderá mudar a versão dos fatos para beneficiar o agressor.
Mais info
Recomendações do Comitê da ONU sobre o assunto: http://www.inclusive.org.br/arquivos/28378
Artigo – Da violência sexual contra mulheres com deficiência: legislação e acessibilidades – Deborah Prates:
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/08/da-violencia-sexual-contra-mulheres-com-deficiencia-legislacao-e-acessibilidades/
c) Acessibilidade
Liberdade de ir e vir, e de se comunicar são direitos humanos básicos, frequentemente negados às pessoas com deficiência. Leis não faltam. Há anos que todos os serviços abertos à população, sejam públicos ou privados (lojas, hotéis, teatros, cinemas, restaurantes escolas, academias, hospitais, bancos, correios, parques, etc) e os meios de transporte devem ser acessíveis a todos, sob pena de serem processados criminalmente por discriminação, de acordo com a LBI. Mesmo assim, sabe-se que a implementação e fiscalização é falha em todas regiões do país, embora não haja estatísticas atualizadas sobre a situação.
O acesso à comunicação ainda é mais precário. Pessoas surdas raramente recebem atendimento em Libras e/ou legenda, cegos enfrentam informações escritas em papel e sites que não conseguem acessar, pessoas com deficiência intelectual e neurodiversas, que deveriam ter acesso à comunicação alternativa e aumentativa (CAA – ver item abaixo) sequer são consideradas para receber informações e poderem se comunicar em iguais condições com os demais, como previsto na Constituição.
Segundo dados do IBGE, apenas 11,7% dos municípios do país contam com serviço de transporte voltado às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Portanto, acreditamos que o estado brasileiro deve priorizar o levantamento de dados e cobrar dos municípios planos e metas de efetiva implementação da acessibilidade, especialmente no tocante aos serviços públicos.
Mais info
Transportes: https://reporterbetoribeiro.com.br/lei-de-acessibilidade-nao-e-cumprida-no-pais/
Sites: http://mwpt.com.br/falta-de-acessibilidade-nos-sites-e-tema-de-acao-do-ministerio-publico-federal/
Acessibilidade nas Cidades do Rio de Janeiro e São Paulo: https://jus.com.br/artigos/63206/acessibilidade-nas-cidades-do-rio-de-janeiro-e-sao-paulo
d) Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA)
Uma área que tem se desenvolvido rapidamente no exterior com as novas tecnologias, mas ainda é tímida no Brasil, é a da Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), que permite que pessoas que não falam ou que têm dificuldade para se expressar oralmente possam fazê-lo. Estas pessoas formam um dos grupos mais vulneráveis à violência e abusos de todo tipo.
Através de imagens (PECS – Picture Exchange Communication System – sistema de comunicação por troca de figuras), tábuas de comunicação, programas de computador, aplicativos para tablet ou celular, entre outras formas de facilitação da comunicação, indivíduos que antes não falavam têm conseguido se comunicar em todo o mundo. Autistas, pessoas com síndrome de Down, pessoas que tiveram acidentes vasculares ou idosos com a fala afetada, entre muitos outros, estão ganhando voz a partir de sistemas pouco custosos e fáceis de usar em celulares e tablets, por exemplo.
No Brasil, raros profissionais têm conhecimento destas técnicas. Pior, vários acham que a comunicação alternativa não deve ser usada porque desestimula aqueles que têm alguma condição de falar a se expressarem oralmente, quando esta noção já foi descartada em inúmeros estudos que demonstram justamente o contrário.
Ainda não existe um aplicativo em português do Brasil a um custo acessível, enquanto há inúmeras opções em inglês e outras línguas. Em razão disto, entendemos necessário priorizar a pesquisa, a capacitação de profissionais e a divulgação de sistemas que poderão auxiliar as pessoas com deficiência mais vulneráveis a interagir na família, na escola, no acesso à justiça e em todos os aspectos da vida civil.
Mais info
http://www.assistiva.com.br/
http://autismolinguagemecomunicacao.blogspot.com/
https://lagartavirapupa.com.br/comunicacao-alternativa-recursos-implementacao-um-resumo/
e) Saúde
Além de consistir um direito indisponível e dever do estado, sabe-se que o atendimento de saúde precário não é restrito às pessoas com deficiência. No entanto estas são, dentre os usuários do sistema de saúde, das que mais padecem pela qualidade de atendimento.
Algumas demandas recorrentes, entre muitas outras, são:
- falta de acessibilidade nos serviços de saúde (barreiras físicas, de comunicação e atitudinais);
- falta de hospitais de média e alta complexidade nas regiões Norte e Nordeste;
- falta de oferta de cadeira de rodas e oficinas para dispensação de órteses e próteses e qualificação técnica de profissionais;
- tempo de espera nas filas para terapias (como fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, etc.) no SUS e conveniados que seja próximo ao local de moradia;
. inclusão de crianças com síndrome de Down, síndrome de Zika ou outras condições que acarretem imunodeficiência, independente de cardiopatia, prematuridade ou doença pulmonar crônica no protocolo de uso da Palivizumabe que foi aprovado pela Portaria n. 522, de 13 de maio de 2013;
- liberação de substâncias como o Canabidiol e outros medicamentos aguardando autorização da Anvisa que poderiam ter efeito imediato na melhorar a vida de pessoas com diferentes tipos de deficiência;
- dificuldade para realizar exames laboratoriais e consultas com especialistas (como otorrinolaringologia, oftalmologia, odontologia, etc.);
- direito à urgência da realização do exames genéticos e outros (demandados para acessar alguns direitos da pessoa com deficiência); informações precisas e acessíveis de onde são os locais específicos para vacinação adicional;
- notificação compulsória de condições genéticas e outras questões de saúde, hoje subnotificadas, na DNV (Declaração de Nascido Vivo) que alimenta a base de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc);
- fornecimento de leites especiais e fraldas;
- oferta de cuidadores para o atendimento e apoio às pessoas com deficiência;
- baixa qualificação dos profissionais da atenção primária à saúde para as demandas dos usuários com alguma deficiência entre muitas outras;
- Algo como um pois vejo que as famílias ficam perdidas no sentido de o que fazer no momento da notícia.
- ressarcimento do IR ampliado; e
- planos de saúde discriminatórios (cobertura reduzida, tendência a cobrança diferenciada ilegal, dificuldades para realização de cirurgias etc, e necessidade de reduzir a frequência e volume da prestação de contas (relatórios por parte dos profissionais e encaminhamentos médicos). Isto afasta as famílias de seus direitos ao ressarcimento ou de seu direito e dever de trabalhar).
Mais info
Avanços e desafios na atenção à saúde de pessoas com deficiência na atenção primária no Brasil: uma visão integrativa.
http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/download/5775/pdf.
f) Educação
O número dos estudantes com deficiência na rede regular de ensino subiu de 44 mil em 1998 para 900 mil em 2018, uma das mais exitosas políticas de inclusão brasileiras, reconhecida, inclusive, a nível internacional. Entretanto, entre os anos de 2009 e 2017, o percentual de matrículas de estudantes com deficiência na rede regular cresceu, sem o devido aumento percentual de matrículas no atendimento educacional especializado (AEE) – apenas 37,6% de matrículas, em 2017. E pior: o MEC constatou que apenas 5% dos professores da Educação Básica possuem formação continuada em Educação Especial. Além disso, apenas 26% das escolas públicas são de fato acessíveis, é urgente instituir-se sistema de avaliação de progressão dos estudantes com deficiência, e devem ser tomadas medidas contra a evasão escolar.
Sem a adequação de oferta de AEE ao aumento do número de matrículas na rede regular, o processo de inclusão parece ineficaz, quando, na verdade, é a política pública que tem sido a causa da ineficácia por não observar as estratégias necessárias. Sem a capacitação de professores, a inclusão será culpada quando, na verdade, foi parcialmente empreendida.
Nesse ponto, o MEC não só tem deixado de investir na ampliação da capacitação de docentes, como anunciou a revisão da política na perspectiva da educação inclusiva sem uma discussão profunda com todos os envolvidos. Sobre este fato, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal recomendou que o Ministério não altere a PNEEPEI e mantenha a política em conformidade com os parâmetros constitucionais e legais.
É urgente um debate ampliado com a participação de representantes de toda esfera do sistema escolar, inclusive professores regentes e de AEE, especialistas em educação, assim como de alunos com deficiência, seus familiares e organizações representativas para identificação de melhores práticas e reestruturação da política.
Ainda neste ano, Portugal acaba de dar um passo, por vontade de seu governo, em abranger todos os alunos e não apenas os que tenham algum tipo de deficiência ou dificuldade de aprendizagem. Baseado em “abordagem multinível para a identificação de medidas de acesso ao currículo e às aprendizagens”, os critérios clínicos deixam assim de ter a preponderância.
O documento português orienta “a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às características e condições individuais de cada aluno, mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da comunidade educativa.”
Assim como outros estudos comparados que buscam as melhores formas para a consolidação do direito à educação inclusiva, pensamos na relevância de que o Brasil integre efetivamente fóruns e espaços internacionais de onde boas práticas possam ser colhidas no sentido de qualificar o direito indisponível à educação pública de qualidade.
Mais info
Lei de Educação Inclusiva Portuguesa (2018): http://www.inclusive.org.br/arquivos/31122
Manual de Apoio à Prática – Educação Inclusiva: http://www.dge.mec.pt/publicacoes-da-dseeas
Fogo amigo na inclusão de estudantes com deficiência: http://www.cartaeducacao.com.br/artigo/fogo-amigo-na-inclusao-de-estudantes-com-deficiencia/
Apenas 26% das escolas são acessíveis: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1851/apenas-26-das-escolas-publicas-sao-acessiveis-aos-portadores-de-deficiencia
g) Trabalho
A liberalização da terceirização para as “atividades-fim” e outras modificações introduzidas pela Reforma Trabalhista, prejudicaram os trabalhadores com deficiência. Dada a sua condição precária e ainda restrita de inserção, este contingente populacional corre risco de se encontrar numa situação ainda mais vulnerável nos próximos anos.
Os dados da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, mostram uma participação limitada, embora crescente em termos absolutos, e uma dinâmica de evolução que parece estar descolada ou “protegida” dos períodos de crise econômica graças à “Lei de Cotas” (Art. 93 da Lei nº 8.213/1991) – que determina às empresas com mais de 100 funcionários a obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência, de 2% até 5% do seu quadro de empregados formais, independentemente do ciclo econômico.
Na nova legislação trabalhista existem “brechas” para a diminuição do número total de trabalhadores com deficiência que as empresas devem contratar e, nas negociações coletivas de trabalho, permitem termos que, se aplicados na prática, “flexibilizam” as cotas e os impactos sobre o uso, jornada e remuneração para a permanência dos que estão empregados como aptos para contratação.
A terceirização, em realidade, pode até diminuir o número total de vagas que esta ação afirmativa reserva aos trabalhadores com deficiência. Se as grandes empresas – aquelas que devem cumprir as cotas por contarem com 100 ou mais empregados – adotarem uma política significativa de terceirização, elas podem se ver total ou parcialmente desobrigadas a cumprir os percentuais previstos em Lei, dependendo do número de empregos diretos que “sobreviviam” à terceirização.
E mesmo que as vagas sejam transferidas às terceirizadas, corre-se o risco de precarização no trabalho daquelas pessoas com deficiência que sejam assim contratadas. O trabalho intermitente, previsto na Reforma Trabalhista, pode ser usado como instrumento de empresas que meramente queiram cumprir as cotas.
Ao colocar pessoas com deficiência nessa condição, pode-se perpetuar um quadro de trabalho raro e eventual, sem que haja qualquer engajamento de fato do trabalhador com deficiência na empresa, configurando-se uma inclusão laboral “fictícia”.
Ademais, a mesma pessoa pode ser usada para cumprir a cota de mais de uma empresa (comportamento não desejável, mas que pode se justificar do ponto de vista das necessidades individuais de trabalho).
Mais info
Potenciais impactos das mudanças recentes da legislação trabalhista no emprego formal das pessoas com deficiência.
http://www.cesit.net.br/potenciais-impactos-das-mudancas-recentes-da-legislacao-trabalhista-no-emprego-formal-das-pessoas-com-deficiencia/
Leia a matéria completa, com uma Visão sobre o papel da sociedade civil e outras propostas.