GENEBRA – Nessa última quinta-feira (22), Alice Cruz, relatora da ONU pela hanseníase, emitiu um comunicado em que solicita ao Supremo Tribunal de Justiça que reconheça o direito à reparação daqueles que, enquanto crianças, foram separados de suas famílias compulsoriamente por estarem com hanseníase na época.
“O Brasil tem o dever de oferecer reparações totais, incluindo um pedido de desculpas, memorialização e reabilitação, aos filhos separados de pessoas afetadas pela hanseníase, em conformidade com as normas internacionais relevantes em matéria de direitos humanos” – declara Alice Cruz em comunicado.
Cerca de 16 000 crianças viram seus pais serem levados para instituições, entre os anos de 1923 e 1986 como política de Estado da época para lidar com a doença, com segregação e isolamento forçado.
“O Supremo Tribunal tem agora uma oportunidade de corrigir esta injustiça que, dados os seus efeitos duradouros, deve ser considerada uma violação permanente de natureza imprescritível […] Estas pessoas suportaram uma vida inteira de sofrimento em resultado deste tratamento desumano e, para muitos que são agora idosos, o tempo está a esgotar-se para que vejam corrigidos os erros do passado”
Na última década, foram apresentados aos tribunais estaduais, vários casos de crianças separadas das famílias, mas esses casos ainda estão pendentes.
Além disso, em uma visita ao Brasil no ano de 2019, a relatora da ONU ouviu uma série de pessoas que na época foram abusadas em instalações estatais – “Fui tirada da minha mãe quando era bebé e enviada para o preventório”, disse uma das vítimas a Alice Cruz. “Quando eu tinha 7 anos, o sapateiro que trabalhava no preventório disse que eu era uma menina bonita, por isso ele seria o meu pai. Eu estava feliz porque sentia muito a falta dos meus pais. O sapateiro obrigou-me então a sentar no seu colo e começou a apalpar-me o corpo. Senti-me desconfortável, mas ele disse-me para ficar calada e fez-me sentir o cheiro da cola para sapatos, o que me fez sentir tonta. Ele violou-me. Brincaram com a minha vida”.
“O Brasil tem feito vários esforços louváveis na proteção dos direitos das pessoas afetadas pela hanseníase, mas é preciso fazer mais, especialmente no que diz respeito aos direitos dos seus filhos e filhas”, denuncia a relatora “Espero que a decisão do Supremo Tribunal brasileiro reconheça finalmente os direitos das vítimas enquanto estas estiverem vivas e a proceder desta forma a um avanço importante na história sombria da hanseníase em todo o mundo. Justiça atrasada é justiça negada”.