Entre os dias 11 e 14 de março de 2019 representantes de organizações como a Organização Pan-americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS), o Mandato das Nações Unidas (ONU) para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Atingidas pela Hanseníase e seus Familiares (Relatora Especial Alice Cruz, em visita acadêmica), o Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), oganizações que fazem parte da Federação Internacional contra a Hanseníase (ILEP), como BRASA/AIFO, NHR Brasil/NLR, DAHW, e movimentos sociais de dez países participaram no Rio de Janeiro do I Encontro Latino-americano e Caribenho de Entidades de Pessoas atingidas pela Hanseníase. O evento se realizou na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reunindo cerca de cem ativistas representantes de entidades da América Latina – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, México, Paraguai e Peru – além de integrantes de instituições dos EUA, Alemanha e Japão, que participam como observadores.
A iniciativa foi do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), do Brasil, e da Federação de Entidades de Pessoas afetadas pela Hanseníase (Felehansen), da Colômbia, com o apoio da Fiocruz, do Ministério da Saúde e da Fundação Nippon, do Japão.

A seguir, a contribuição do Coordenador Geral da BRASA Stefano Simoni, na mesa “Experiências exitosas e construção de estratégias colaborativas nos campos da preservação histórica, comunicação e reabilitação das pessoas atingidas pela hanseníase”.

A minha contribuição será em volta de 3 palavras-chave: lembrar, conectar e protagonizar.
Premissa: AIFO tem 58 anos de presença no Brasil, como Coordenação da ONG internacional, e com mais de 150 projetos realizados e 200.000 pessoas beneficiárias. AIFO é membro da ILEP e do IDDC, está presente atualmente em 14 países do mundo. Desde 2013 surgiu, no Brasil, BRASA, no intuito de fortalecer a presença local com uma associação 100% brasileira, capaz de trabalhar com mais intensidade no que tange a parcerias, projetos, maior visibilidade.

Lembrar

Entendo lembrar aqui Raoul Follereau. Um jornalista e filósofo francês que viveu pelos primeiros três quartos de século passado, que conheceu a hanseníase (então lepra) como jornalista e depois, vivenciando mais profundamente a experiência do contato com leprosos, como homem e cristão, a partir da década de 40, viajando na África do Norte, então colônia francesa. E conheceu o que a lepra fazia nas pessoas, na sociedade da época: o doente de lepra, de hanseníase digamos hoje, era o exemplo “perfeito” de pessoas isolada, excluída, privada de direitos. Outros grupos e condições se uniram desde então, como sinônimo de exclusão: as pessoas das periferias, os negros, os indígenas, as pessoas com deficiência, as vítimas do capitalismo selvagem. Mas a exclusão, o preconceito, o estigma continuam os mesmos. A denúncia do Follereau foi rapidamente crescendo de tom e abrangência: Follereau viajou o mundo inteiro, encontrando milhares de leprosos, denunciando a exclusão social e a falta de humanidade com eles e as famílias deles, e também apontando o dedo contra o modelo de desenvolvimento que hoje, a distância de 40-50 anos, nas suas extremas consequências, gera os desequilíbrios do capitalismo sem regras, do aquecimento global, da guerra e das armas invocadas como solução dos problemas. A denúncia dele, muito radical na época e ainda hoje impactante, foi inspiradora de movimentos que deram origem, entre outras entidades, à AIFO.

Mas Follereau está praticamente desconhecido na América Latina e no Caribe: qual melhor palco para chamar todo nós a conhecer melhor, a divulgar a obra, as palavras, as ideias dele? Que são, ainda hoje, extremamente atuais.

Assim, a minha provocação e sugestão: vamos, ao longo dos nossos projetos e realizações, dedicar um tempo a conhecer e estudar esta pessoa sensacional, que tanto fez pela nossa causa e cujas palavras ainda hoje permanecem de grande atualidade e força para descrever a nossa sociedade e navegar nas ondas difíceis destes anos de retrocessos sociais, políticos, civis.

Conectar

A missão da BRASA/AIFO é de contribuir para eliminar a hanseníase por meio da prevenção e da cura de qualidade, e foca especialmente na reabilitação integral e integrada da pessoa dentro do seu contexto comunitário e social, estimulando a colaboração dos serviços de saúde e sociais, e a participação ativa da comunidade.

Assim, o objetivo é de contribuir a desenvolver a comunidade, contando com os recursos que ela tem e dando estímulo para criar novos recursos e competências a partir dela mesmo.

O conceito é exatamente aquele do desenvolvimento inclusivo com base comunitária (ou reabilitação com base comunitária – DIBC ou RBC). Portanto, entendemos contribuir a habilitar e reabilitar globalmente a pessoa, que seja doente de hanseníase, e/ou com deficiência, mas também pode ser criança, mulher sobrevivente de violência, pessoa da galáxia LGBTI+, quilombola, indígena, em conflito com a lei, refugiada, e assim por diante.

Portanto, a atenção da BRASA/AIFO consiste em:

  1. Desenvolver ideias, promover projetos, que tenham como finalidade contribuir à independência econômica, social e política das pessoas e dos grupos, fortalecendo a consciência dos direitos humanos, a formação profissional, a geração de trabalho e renda;
  2. Sustentar as ideias e os projetos, construindo eles de forma sustentável, tecendo redes amplas em volta deles, inclusive com o auxílio de experiências internacionais, e que tais projetos sejam capazes de serem reproduzidos e multiplicados, e de serem escaláveis, adaptáveis a diferentes contextos e grupos.

A específica situação de necessidade da pessoa, assim, se supera na dimensão da conexão via grupo, via comunidade, não é somente superação mas é inclusão, e contribui para que se reduzam de forma efetiva e eficaz a desigualdade e a falta de equidade social e de igualdade de oportunidades.

Protagonizar

BRASA/AIFO agem contribuindo para uma cultura de paz e defesa e promoção dos direitos humanos fundamentais, lembrando que isso implica criar ações sustentáveis socialmente, economicamente e ecologicamente. Ações onde cada um é protagonista do seu desenvolvimento e responsável pelo desenvolvimento e a inclusão alheia.

Um dos lemas que achamos relevantes, aplicado décadas atrás para com as pessoas com deficiência, é: “nada para nós sem nós”. Acho este lema válido para cada um de nós, com hanseníase ou não, branco, preto, refugiado, pobre, estrangeiro, etc., em relação com o outro: sem protagonismo, sem co-participação não há verdadeiro desenvolvimento, não há verdadeira tomada de consciência e responsabilidade efetiva e pessoal. E a responsabilidade pessoal possui sempre uma dimensão coletiva.

Protagonizar se resume, para nós, em:

  • Fomentar projetos sociais e de saúde construídos de forma inclusiva e participada, sempre com atenção à educação permanente, à formação profissional, ao fomento à economia solidária;
  • Contribuir a construir redes de participação, de diálogo e de sólida parceria para alcançar públicos nacionais e internacionais, e estar aqui nestes dias é fundamental, entre outros, por este motivo;
  • Fortalecer as pequenas e médias organizações que trabalham na ponta, e colocar elas em contato, para fazer conhecer os esforços e os resultados delas, e favorecer a réplica de boas práticas;
  • Favorecer a elaboração de ideias e ajudar a transformar elas em projetos;
  • Facilitar o encontro entre propostas de projetos e financiamentos via editais e outras formas de arrecadação, nacionais, internacionais, públicas e privadas.

Alguns exemplos de projetos e colaborações

  • Apoio a programas de reabilitação e autocuidado na URE Marcello Cândia, Marituba, Pará, e Morhan Pará;
  • Secretarias de Saúde do Pará, de Goiás e Acre, no apoio a programas de reabilitação de pessoas atingidas pela hanseníase;
  • Grupo de Apoio a Mulheres Atingidas pela Hanseníase, no DF, fomentando especialmente a geração de renda;
  • Atendimento especializado por doenças negligenciadas, com autocuidado e empoderamento das pessoas, no Tocantins;
  • Economia e sociedade inclusivas, mediante a ação de Agentes de Inclusão Social, no Pará;
  • Modalidades inovadoras de cuidado em saúde, com o desenvolvimento de um hospital comunitário e de cuidados intermediários em Niterói e Nova Friburgo, RJ;
  • Vozes Femininas, ou seja, dar voz a mulheres com deficiência e/ou cuidadoras de pessoas com deficiência, na região metropolitana de São Paulo, para empoderá-las e formar outras mulheres, estimulando o surgimento de Mobilizadoras Sociais.

 

Foto: Christian Rodrigues