Publicado no Diário da Manhã, 18 de junho de 2018, Especial para OPINIÃO PÚBLICA

O encontro entre artistas e educadores na Cidade de Goiás, ao final dos anos 80, foi o gérmen da construção do Espaço Cultural Vila Esperança: lugar da experiência concreta de um outro mundo possível. Nasceu sobre o tripé da arte, cultura e educação, em estreita e recíproca relação com a comunidade próxima.
A Vila Esperança foi construída em meio à degradação e aridez do cerrado, às margens do Rio Vermelho, local de depósito de lixo e trilha de lavadeiras. As construções fazem memória e tornam presentes as culturas negligenciadas pela história oficial, visibilizando toda a sua potência, força e beleza. Dialogam com as árvores, plantas e jardins cultivados, numa relação de profundo respeito e comunicação com a natureza viva.
Desde os anos 90, brota o desejo de construir uma escola para realizar o grande sonho e desafio de oportunizar um processo de educação legitimamente brasileira, considerando a história das crianças e adolescentes, diversamente constituídos em sua identidade.
A partir e para além de algumas experiências de parceria com as Secretarias Municipal e Estadual de Educação, é criada a Escola Pluricultural Odé Kayodê, que significa “o caçador traz alegria”, em língua iorubá, o pressuposto filosófico que sustenta a sua concepção e prática pedagógica.
O multiculturalismo crítico é a base do seu trabalho pedagógico, reconhecendo nas culturas dos povos indígenas, africanos e afro-brasileiro principalmente, os elementos estruturantes de seus princípios e fazeres cotidianos: circularidade; o valor dos saberes e da comunicação por meio da oralidade; ludicidade; corporeidade; musicalidade; ancestralidade e memória; arte, expressão e solidariedade.
Esses elementos se revelam no cotidiano da escola, na forma de organização da rotina, dos planejamentos, nas atividades específicas: a fala e a escuta da criança nas rodas; o tempo resguardado da brincadeira e do jogo como vivência imprescindível da infância, na brinquedoteca, parque, quintal; o corpo como ponto de partida para a compreensão do mundo, por meio do movimento, musicalidade, expressão e criatividade, na dançaterapia, capoeira angola, samba de roda, maculelê, jongo; a arte, a memória e a ancestralidade, componentes indissociáveis do nosso modo de ser e estar no mundo, individual e coletivamente.
A Odé Kayodê se define no trabalho com a diferença, potencializando os espaços de convivência a partir das atitudes de respeito e cooperação, entre adultos e crianças. A diversidade permeia todas as práticas: desde a leitura, escrita, matemática, à formação política. Nada se dá de fornia isolada, mas no contexto cultural, com objetivos socialmente referenciados.
Nessa perspectiva, ter sido reconhecida neste mês pelo programa Escolas Transformadoras, correalizado no Brasil pela Ashoka e pelo Instituto Alana, é uma grande alegria e uma confirmação de que esse é o nosso caminho.
Passar a integrar essa comunidade global legitima nosso trabalho de resistência e valorização da diversidade brasileira. Reafirma o nosso objetivo de provocar mudanças na realidade excludente da sociedade brasileira, iniciando pela educação das crianças, de suas famílias e da comunidade mais próxima, conscientes de que nesse processo, também nos transformamos. O olhar de fora, nos remete a olhar para dentro, e intensificar e aprimorar nossos fazeres. Isso qualifica ainda mais as trocas e inspira cada vez mais pessoas, ampliando e dando visibilidade ao que acreditamos ser o maior valor da educação brasileira: a diversidade cultural que nos constitui desde a raiz.

Renata Tavares de B. Falleti,
professora e colaboradora da Escola Pluricultural Odé Kayodê